Por que fala de Lula é uma afronta

Quando se perdeu a dimensão da vida humana e por que ela precisa estar além da dualidade das redes

VEJA

Rorigo Vicente Silva

2/25/20243 min read

Na imagem Lula discursa na abertura da 37ª Cúpula de Chefes de Estado e Governo da União Africana (Ricardo Stuckert/PR), originalmente publicado na Revista Veja em 25/02/2024 em: https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/por-que-fala-de-lula-e-uma-afronta

Por que fala de Lula é uma afronta


A semana girou em torno da fala de Lula. Seria impossível imaginar que não fosse dessa forma, dada a comparação feita pelo presidente ao se referir ao que ocorre hoje em Gaza com o genocídio judeu perpetrado por Hitler. Minutos depois da fala e ao longo de toda semana as redes entraram em polvorosa, todos posicionados para defender lados e não criar, claro, reflexão alguma sobre o tema. O que mais chama atenção é que se tentou justificar de todos os lados se a fala era correta ou não. Perdeu-se, contudo, o principal: a dimensão da vida humana, que precisa - assim esperamos - estar além da perspectiva dualista das redes.

Primeiro é importante frisar que genocídio cometido contra os judeus é algo incomporável, assim como qualquer outro genocídio ou atrocidade cometida contra a humanidade. Seja o Holocausto, o genocídio armênio, o genocídio em Ruanda entre tantos outros que proupeseram o extermínio de uma comunidade ou um povo inteiro é detestável e, portanto, absurdo pelo que é e não contra quem foi cometido.

Segundo, que nenhum deles foi tão propagado, dramatizado e lembrado pela arte e pela cultura como o Holocausto. A resposta para isso é variada e se deve a inúmeros fatores da inserção e do trabalho de judeus em veículos de mídia como o cinema, em busca de garantir a memória dos seus.

Esse ponto levanta a ideia de que haveria se criado uma certa sacralidade envolvendo o Holocausto. Não se poderia, portanto, criticar nada que o envolvesse. A situação foi se tornando mais complexa, muito pelo que teria se tornado o Estado de Israel, com a divisão de Jerusalém e todos os conflitos decorrentes desse episódio pós década de 1950. Nada disso, por óbvio, pode ser justificativa para tornar o Holocausto menor.

Diante do que representa o Holocausto, era de se esperar, que ao comparar o algoz com suas vítimas, por mais que Lula tenha se referido - é o que parece - ao Estado e não às vítimas, que o desenlace tenha sido este: um total repúdio à fala do presidente. Monitoramento feito pela Quaest, por exemplo, mostrou que 90% dos comentários foram contrários à fala de Lula. Muito pela forma como a oposição conduziu o processo nas redes. Mas o estrago estava feito.

Ora, todos sabemos o que se tornou Israel e suas atrocidades como Estado Nacional, dificultando e impedindo a criação de um Estado nacional Palestino, o que é, sem sombra de dúvida, uma parte da solucão para o conflito. De toda forma, não se pode imaginar que isso seja motivo para que se coloque em comparação a memória de pessoas, sejam elas judeus, armênios, russos, ucranianos, ruandeses. São vidas, são memórias, são seres humanos que se foram porque uma ideologia os fez desaparecer. Nenhum deles pode ser esquecido, tampouco minimizado ou comparado. Nem mesmo o que se faz em Gaza: uma atrocidade contra um povo que merece um Estado Nacional.

Um fala talvez não tenha chamado tanta a atenção na mesma entrevista que Lula deu na Etiópia. Quando perguntado sobre a morte de Alexei Navalny, disse que não deveria ter pressa em acusar ninguém. Navalny era um dos principais opositores de Putin e já havia sido envenenado no passado. Sobreviveu e voltou à Rússia. Foi morto em causas muito estranhas para um homem de pouca idade e saudável. Lula escolheu ponderar nesse caso. O presidente, claro, faz escolhas porque relações internacionais envolvem, como tudo, ideologias. Lula sabe disso e faz as suas. Como democrata que é e por tudo que representa na história recente do Brasil, Lula poderia ter sido mais assertivo.


Rodrigo Vicente Silva é mestre e doutorando em Ciência Política (UFPR-PR). Cursou História (PUC-PR) e Jornalismo (Cásper Líbero). É editor-adjunto da Revista de Sociologia e Política. Está vinculado ao grupo de pesquisa Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem). Contribui semanalmente com a coluna do Jornalista Matheus Leitão, na revista Veja.