Por que a tragédia do Rio Grande do Sul amplifica nossas maiores desgraças

Em artigo enviado à coluna, o cientista político Rodrigo Vicente Silva trata das outras questões envolvendo a tragédia climática brasileira.

VEJA

Rodrigo Vicente Silva

5/14/20244 min read

Na imagem Imagem aérea do bairro Menino Deus, em Porto Alegre - 07/05/2024 (Jefferson Bernardes/Getty Images). Artigo originalmente publicado em Revista Veja, no dia 15/05/24 ver mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/por-que-a-tragedia-do-rio-grande-do-sul-amplifica-nossas-maiores-desgracas#

Por que a tragédia do Rio Grande do Sul amplifica nossas maiores desgraças

A tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul é desoladora. Muito do que temos visto em meio às notícias de mortes e desabrigados é permeado também de muitas das desgraças que temos vivido nos últimos anos. Era de se esperar, contudo, que diante do horror cessassem barbaridades como a disseminação de notícias falsas, por exemplo. Mas não foi isso que vimos. Ao contrário, o problema foi e vai muito além das fake news. Negacionismo de evidências científicas, polarização política, lugar do Estado e da iniciativa privada, ataques à imprensa profissional. Tudo parece vir como um rolo compressor para nos lembrar que tem sido difícil lidar com esses temas, mas que é urgente enfrentá-los.

Sobre os negacionismos, parece ingênuo acreditar que o problema é de agora. Os que acham isso estão de um lado dos polos políticos e querem seus louros momentâneos. Claro que é inimaginável comparar o negacionismo do governo Bolsonaro com qualquer outro período, mas temos de aprender muito ainda. A lembrança do Plano 2040 é prova de que o Estado precisa se atentar mais quando o tema é o diagnóstico da ciência. Fosse assim, teríamos prestado atenção no que diziam os especialistas sobre a construção de Belo Monte, por exemplo. O novo PAC prova que o desenvolvimentismo a qualquer preço continua por aí, como sempre. A Ferrogrão, defendida pelo agro e acusada por ambientalistas, deve sair e o resultado da devastação só se verá no futuro, que tende a ser bem próximo.

Se nos causa certo consolo imaginar que os governantes de agora saem em busca de solução para os problemas e não chamam a catástrofe de “enchentezinha” ou de que não são “coveiros” diante das muitas mortes, sobram perguntas do porquê terem agido de forma descabida quando o tema é desregulação de leis ambientais. Porque se o governador diz que não é hora de achar culpados, é porque, sabemos, tem culpa no cartório. E não é só ele.

Engana-se, claro, e muito, quem acha que as críticas ao Estado o fazem ser menos importante. De forma alguma. Se a ajuda vinda das muitas iniciativas privadas são fundamentais neste momento e são, por óbvio, muito bem-vindas, dentro de pouco tempo sobrará ao Estado o ônus de liderar a reconstrução. Dentro de alguns dias ficará na lembrança das pessoas a tragédia, que irá se apagando pouco a pouco. Todos precisam seguir suas vidas. Mas daqui a alguns dias, um mês, serão as secretarias estaduais, os ministérios, os técnicos e burocratas de governo os responsáveis por entender de que forma e por quais meios se reconstruirá o Estado do Rio Grande do Sul. Serão os milhares postos de saúde públicos que atenderão a maior parte das pessoas com as doenças comuns depois de adversidades como estas.

Obviamente a iniciativa privada foi muito afetada. Será também responsável pela reconstrução. Mas será por meio de desoneração, linhas de crédito e fomentos do Estado que será capaz de se reconstruir e se reinventar. Soa como mel os insultos proferidos contra o Estado diante de catástrofes assim, mas, não percamos de vista, a maior parte das pessoas, só se reerguerá pela presença e auxílio do Estado. Aos liberais de plantão: tudo será pago com impostos evidentemente. Mas sem a liderança e organização do Estado, sabemos todos, liberais ou não, não será possível.

Por fim, há de se destacar o papel da imprensa profissional. Durante a tragédia no Sul, vimos influencers, coachs e toda sorte de gente da internet a se fazer de comunicador com seus celulares e mini microfones. O que se viu com isso é que espalhar notícia falsa causa dano e amplifica a desgraça. Agora o que se viu também é que uma cobertura de qualidade e com pluralidade é fundamental em momentos assim, a fim de se elucidar os acontecimentos, promover debates e ouvir lados. E mais: denunciar, ouvindo as vítimas, que são os que mais sofrem. Baluarte da democracia, há de se enaltecer a imprensa brasileira, grandes, médios e pequenos veículos, que tem se descolado e feito cobertura exemplar. Diferente de alguns influencers pouco afeitos à democracia, é a imprensa, seja a tradicional ou as novas mídias, que tem combatido a disseminação de notícias cujo conteúdo nada tem a ver com a realidade e só aumenta os problemas. Em tempo. Temos batido muito na tecla da regulação das mídias digitais. O que se vê na catástrofe do Rio Grande do Sul é que esse tema é urgente e necessário.

Crescemos com a maldita frase de que no Brasil tudo dava. Tudo que se planta, colhe, diziam nossos pais e avós. Por aqui não tem furacão, nem terremoto, tudo está (estava) a nosso favor, diziam eles. Deus era brasileiro ainda por cima. Nos acostumamos a achar que tudo seria assim. Talvez tenhamos ido longe demais com a bondade desta terra. E agora teremos de nos reorganizar. Agro, geração de energia, planejamento urbano e social, todos teremos de prestar atenção aos sinais que não são de agora. Do contrário, seremos, nós humanos, inviabilizados da vida por aqui. Precisaremos de muita ciência de qualidade. Mas mais importante ainda: de políticos e líderes que ouçam o que dizem os cientistas.


Rodrigo Vicente Silva é mestre e doutorando em Ciência Política (UFPR-PR). Cursou História

(PUC-PR) e Jornalismo (Cásper Líbero). É editor-adjunto da Revista de Sociologia e Política.

Está vinculado ao grupo de pesquisa Representação e Legitimidade Democrática (INCT-ReDem). Contribui semanalmente com a coluna do Jornalista Matheus Leitão, na

revista Veja.